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De onde sai a música?

(post da série O meu jeito de compor – clique para ver a série completa)

A resposta é óbvia: depende. E de muitos fatores. Para mim, o principal deles é a motivação. Por que resolvi fazer uma música? Se alguém me pediu ou encomendou, começo refletindo sobre as expectativas dessa pessoa e seus pontos de encontro com minha trajetória artística. É importante frisar esse complemento, pois não acredito em fazer música somente para alcançar os objetivos dos outros. Para mim, qualquer projeto, mesmo o mais comercial ou funcional, precisa se emaranhar de alguma forma com uma de minhas identidades composicionais, e isso geralmente depende de um esforço meu, isto é, de colocar aquilo que me é proposto em uma perspectiva que me interesse, sem com isso me desviar da ideia de meus interlocutores. Já se vê que esta etapa não é simples, e mesmo quando decido fazer uma música por vontade própria, preciso pensar onde ela poderia ser tocada ou ouvida, qual seria o seu público e que recursos seriam necessários para a sua criação. O primeiro passo, em qualquer caso, é sempre uma reflexão. Não refletir (ou refletir pobremente) certamente vai complicar as coisas nos passos subsequentes.

Bruno Angelo pensando

Dependendo da música em questão, essa reflexão pode demorar. Além disso, apesar da sugestiva foto que coloquei acima, refletir não significa somente pensar na vida. Refletimos com livros, pessoas e, claro, com a internet. Dificilmente deixamos de expandir na rede qualquer ideia que tenhamos, consultando sites, contatando pessoas, vendo inúmeros vídeos e sempre com um olho na wikipédia. Vou mencionar duas experiências minhas com essas etapas reflexivas prévias ao “botar a mão na massa” da composição – e fique claro que cada música criada, em maior ou menor medida, serviria para a elaboração de um exemplo distinto.

Primeiro exemplo: reflexão que antecedeu a composição de “Tem gente maluca comigo!”

Trata-se da canção-tema do espetáculo infantil Pequenices, da bailarina Fernanda Boff, portanto uma encomenda. Como costuma acontecer durante a montagem de espetáculos cênicos, a composição musical não foi uma criação posterior ao resto do conteúdo, mas sim concomitante. Isso quer dizer que precisei fazer a música sobre ideias, mais do que sobre cenas – o espetáculo inteiro, aliás, é processual, pois depende diretamente da interação e proposta das crianças que dele participam. O que a Fernanda me disse?

(a) Que se tratava de um espetáculo sobre viagem;
(b) que haveria uma máquina em que as crianças se engatam e passeiam;
(c) que haveria lugares imaginários em que aportam, nos quais qualquer coisa pode acontecer
(d) que havia algumas ideias na manga, mas que a imaginação dos pequenos essencialmente conduziria toda a trama.

Com essas ideias eu voltei para casa, já em pleno processo de reflexão. Pois bem, o que você faria com essas informações? No meu caso, por causa da máquina e da fundamentação do espetáculo na imaginação, inicialmente pensei em algo de ficção científica. Com mais algum tempo, percebi que essa ideia era mais específica, isto é, não “ficção científica” em geral, mas especificamente aquela relacionada a extraterrestres, discos voadores (por causa da máquina) e planetas distantes (por causa dos lugares inusitados que seriam imaginados pelas crianças). Star Trek e, de lambuja, todo o imaginário sci-fi anos 60 e 70, vieram à mente. Lá fui eu assistir alguns episódios e escutar a música de Jornada nas Estrelas, além de alguns filmes e séries do gênero. Vale a pena ouvir de novo:

Mas Pequenices não era necessariamente sobre viagens no espaço, com Ets, raios laser e tele-transportadores! Era necessário cuidar para que a música não fechasse as possibilidades do espetáculo. Foi pensando nisso que migrei para a ideia de canção, com palavras que incentivassem as crianças a imaginar e a viajar durante o espetáculo (a ideia de composição orquestral, inspirada em Star Trek, seria, entretanto, aproveitada em outra parte do espetáculo). Juntando canção, viagem e anos 70, onde tudo isso poderia levar? A Raul Seixas, claro. E a Mutantes. E a Novos Baianos. E a um monte de coisa que apareceu no youtube. Aqui a ideia foi fechando para a composição da canção “Tem gente maluca comigo!”: uma psicodelia de leve, com alguns toques de voz falada e zoada na linha melódica e junção de estilos diferentes. (Me permitam um pouco de musiquês: também me inspirei nessas progressões malucas de tríades que ouço em muitas músicas do gênero, que às vezes são bem tradicionais e às vezes misturam diferentes modos com irreverências: Gita, do Raul Seixas, é um exemplo típico).

Por outro lado, pensei em evitar que essas referências ficassem óbvias na canção, pra não parecer uma coisa vintage. Foi com essa reflexão que fui improvisando ao piano o refrão de “Tem gente maluca comigo!”, mas esse já é outro passo do processo, certo? Dá uma conferida no resultado:

Segundo exemplo: as manchas para piano em “Introverso”

Agora uma música que resolvi escrever por conta própria. Um dia, improvisando algo em um piano muito bom, fiquei tocando uns acordes cheios de notas e levantando os dedos um a um. Então soava um baita acorde de dez notas (uma para cada dedo) e, conforme eu ia liberando as teclas, ele ia “emagrecendo”. Não há nada de novo nessa técnica, pois eu me lembro de alguma peça de Robert Schumann que a utilizava. Mas, ao focar somente nessa brincadeira, a minha improvisação consistia em fazer isso mais rápido ou mais lento, levantar de baixo pra cima ou de cima pra baixo, de dentro pra fora e de fora pra dentro, e por aí vai. Foi aí que me veio à cabeça a imagem de uma mancha de som, algo que surge e desaparece, que você não consegue ver de forma nítida, apenas como borrões mesmo. Com essa ideia, acrescentada de uso do pedal e de acordes que aparecem progressivamente, em vez de desaparecer, eu comecei a compor Introverso, que você pode conferir aqui:

A ideia de mancha de som acabou ficando no meu imaginário e persiste até hoje. Depois de Introverso, eu adaptei isso tudo em Liamalha dos Dizeres de Amor e, mais recentemente, trouxe as manchas até para a partitura, na miniatura Perfume do Jardim de Entulhos.

Espero que, apesar da individualidade dos exemplos, esse post tenha deixado clara a importância de se refletir sobre a música, inclusive antes de se trabalhar com sons. Em minhas aulas, aliás, costumo dizer que música é feita de sons E DE IDEIAS. Quem se resiste a refletir sobre a música que quer fazer acaba deixando de ligá-la ao mundo. E ligar a música ao mundo, através do pensamento, é algo fundamental para que essa música faça sentido. Como reflexão prévia (quando se pensa a música que se vai fazer), esse tipo de pensamento faz com que você tenha ideias sonoras, com que tenha vontade de experimentar e também de ouvir e ver outras coisas, e é isso que eu chamo de inspiração, muito mais do que um dom mágico que caia do céu de repente.

No próximo post, a pergunta que nos guiará é: para onde vai música?

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